![]() |
Papa Bento XVI acessa o Twitter pela primeira vez. |
Confesso ter duas manias. A primeira é que
sou apaixonado por livros. De fato, posso gastar horas
namorando essa invenção fantástica. A minha segunda mania é que, quando abro um livro, vou parar, quase
que diretamente, na seção de referências.
Uma
boa seção de referências pode salvar um mau livro. Se o livro é ruim, dá um nó
na cabeça da gente ou fala de mais porque não há nada a dizer, mas as suas
referências são consistentes, relevantes, isto é, se baseiam num tema central e não num
ecletismo sem limites, menos mau, pois, ao menos, tenho uma lista já montada para eventuais consultas sobre aquele tema. Sempre que possível, eu vou àquelas referências e
tento tirar as minhas próprias considerações.
Mas,
afinal, o que esse papo sobre referências tem a ver com hipertexto? Talvez essa relação possa ser esclarecida com a historinha a seguir.
É
de conhecimento geral que o tribunal do Santo Ofício não tinha muita simpatia
para com algumas referências (autores) iluministas*. Você já
deve ter ouvido falar do Index Librorum Prohibitorum –
lista de livros proibidos pela Igreja Católica. Fui justamente nesse contexto
de "caça aos livros" que nasceu a Encyclopédie, ou Dictionnaire da Raisonné des Sciences, des Arts et des Métiers (ou simplesmente, La Encyclopédie) – para mim, a mãe da enciclopédia moderna e avó da Wikipédia.
La
Encyclopédie fazia parte do ambicioso projeto de reunir (e difundir) o conhecimento produzido até então por intelectuais nos campos da filosofia, da matemática, da física, da astronomia, entre outros. Mas, como fazer isso
se os censores da Igreja Católica não estavam muito dispostos a colaborar? Em miúdos, como “incluir”
um librorum prohibitorum em La Encyclopédie sem que a
Igreja percebesse?
A
solução encontrada foi, astutamente, criar referências cruzadas** entre os textos
publicados em La Encyclopédie e as obras
censuradas pela Igreja Católica. Muito engenhosa essa solução!
Os
colaboradores de La Encyclopédie estavam “linkando”(?)
os textos uns aos outros, de modo a possibilitar que o leitor pudesse
formar diversas sequências associativas, conforme seu interesse, para driblar,
assim, as ordens do Santo Ofício.
Isso pode ser explicado da seguinte maneira. Digamos que você, leitor, ao ler até o fim um ensaio de Rousseau sobre a
natureza humana, quisesse bisbilhotar as referências do autor, você poderia, não por acaso, ser direcionado para o Diálogo –
obra de Galileu incluída no Índex da Igreja Católica – por exemplo, cujo texto,
por motivo de ignorância inspiração divina, não poderia aparecer ali. É claro que, nesse caso, a decisão de dar mais um passo ou não caberia a você, mas, de qualquer modo, você já ficou sabendo que aquele texto de Galileu existe, e isso já era um avanço incrível. Além
de servir para passar para trás a autoridade eclesiástica, as referências
cruzadas também serviam para ampliar a discussão sobre um dado tema, remetendo
o leitor, muitas vezes, para textos que apresentavam o mesmo tema sob pontos de vista distintos*.
Foi
o desejo de dar total liberdade à razão, alimentado por autores como Voltaire,
Rousseau e Montesquieu, que inspirou o uso de referências cruzadas. Se, por um lado, os iluministas não criaram o hipertexto, por outro, eles trabalharam o princípio de dar mais liberdade ao leitor, possibilitando, por meio das referências cruzadas, caminhos para uma maior diversidade de textos.
Nas últimas décadas, essa ideia de dar mais liberdade ao leitor tem ganhado força a partir de hipertextos como blogs, Facebook, Twitter e outros, que podem ser moldados conforme o gosto pessoal de cada leitor. Certamente, a ideia de hipertexto só foi viabilizada a partir das pesquisas de Vannevar Bush (1945) e Ted Nelson (1967) (GOMES, 2011). No entanto, parece que a motivação para a sua criação foi a mesma que para o uso das referências cruzadas: transformar o texto em algo mais produtivo e menos restritivo.
Nas últimas décadas, essa ideia de dar mais liberdade ao leitor tem ganhado força a partir de hipertextos como blogs, Facebook, Twitter e outros, que podem ser moldados conforme o gosto pessoal de cada leitor. Certamente, a ideia de hipertexto só foi viabilizada a partir das pesquisas de Vannevar Bush (1945) e Ted Nelson (1967) (GOMES, 2011). No entanto, parece que a motivação para a sua criação foi a mesma que para o uso das referências cruzadas: transformar o texto em algo mais produtivo e menos restritivo.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
GOMES,
Luiz Fernando. Breve história do hipertexto. In: ______. Hipertexto no Cotidiano Escolar, Série Trabalhando com. São Paulo:
Cortez, 2011, pp. 15-25.
OUTRAS REFERÊNCIAS
* Siglo de la Rázin: Los enciclopedistas – La Ilustración: http://pioneros.puj.edu.co/cronos/crono3/siglodelarazon/losenciclopedistas.htm.
** Referencias
cruzadas: http://www.rebecaruiz.com/tag/encyclopedie/.
Nenhum comentário:
Postar um comentário